A cena se passa em uma sala de uma casa, onde uma senhora de óculos e roupão dorme em frente à televisão. Quando alguém parte a porta, ela acorda assustada e vai atender.
JANE – Oi, Amelina! Eu te acordei? (Extremamente feliz e já entrando na casa)
AMELINA – Olhe bem pra mim. Vê se eu sou mulher de ficar dormindo até uma hora dessas. Isso é coisa pra desculpado. Mas o que você veio fazer em minha casa uma hora dessas?
JANE – Amelina, você não vai acreditar!
AMELINA – O que foi agora, criatura?!
JANE – Eu estava indo comprar pão, quando de repente eu vi um papel no chão. Aí eu peguei o papel. E era um bilhete da loteria. Na volta da padaria, eu passei na lotérica para conferir os números.
AMELINA – Mas, e aí? Você conferiu?
JANE – Sim.
AMELINA – E aí?
JANE – Ah! Advinha!?
AMELINA – Fala!
JANE – Ah! Advinha!?
AMELINA – Fala, peste!
JANE – Ele tava premiado!
AMELINA – Sério?!
JANE – Sério!
AMELINA – E de quanto que é o prêmio?
JANE – Não é muito não.
AMELINA – Quanto?
JANE – Ah! Advinha!?
AMELINA – Quanto?!
JANE – Ah! Advinha!?
AMELINA – Fala logo!
JANE – 100 mil reais!
AMELINA – É realmente não é muito dinheiro não.
JANE – Pois é. Mas tadinha da pessoa que perdeu, né?
AMELINA – Como assim?
JANE – Ah! Deve fazer falta pra ela.
AMELINA – É verdade. É uma pessoa muito necessitada.
JANE – Imagino.
AMELINA – Uma pessoa muito boa.
JANE – Deve ser.
AMELINA – Você não quer se sentar? Quer um cafezinho?
JANE – Agora não. Mas você fala como se conhecesse essa pessoa.
AMELINA – Olha, amiga. Não é querendo jogar um balde de água fria não. Porque você sabe que a gente é unha e carne.
JANE – É verdade. Você vive enfiando as unhas na minha carne.
AMELINA – Que isso, amiga? É tudo brincadeira!
JANE – Eu sei.
AMELINA – Então esse bilhete que você achou é meu.
JANE – O que? Sério? Mas como você foi perder esse bilhete?
AMELINA – Você sabe que eu sou muito distraída. Aí eu deixei cair da minha bolsa. Mas ainda bem que foi uma amigona minha que achou. Né?
JANE – Mas onde foi que você perdeu o bilhete?
AMELINA – Ah... Foi ali... Na padaria...
JANE – Na padaria do seu Maneco?
AMELINA – Sim.
JANE – Pois foi lá que eu achei.
AMELINA – Foi lá na padaria do seu Maneco. Fui guardar o dinheiro do pão e caiu.
JANE – Então se é seu você vai saber qual a cor do bilhete.
AMELINA – É claro. Ele é... Hum... Como é mesmo aquela cor? É que eu sou meio daltônica. É uma cor que lembra...
JANE – Capim?
AMELINA – Verde.
JANE – Capim seco.
AMELINA – Amarelado.
JANE – Isso mesmo. Poxa vida. Amarelado. Você é uma tonta. Como foi perder um bilhete premiado.
AMELINA – Acho que eu tenho um parafuso a menos.
JANE – Mas tem um monte de bilhetes na cor amarela. Como você sabe que esse é o seu?
AMELINA – Ora essa... É por causa... É por causa...
JANE – Dos números?
AMELINA – Isso. É por causa dos números. Afinal eu acertei todos, certo?
JANE – Certo. Mas quais foram os números que você marcou mesmo?
AMELINA – Os números? Ora, Jane, você está duvidando do mim?! Que tipo de mulher você pensa que eu sou?!
JANE – Desculpa, amiga! É só pra saber se os números eram 12, 23, 39, 42, 47.
AMELINA – Jane do céu. Não é que você acertou de novo. Os números que eu marquei eram 12, 23, 39, 42, 47.
JANE – Mas... Mas... Mas como era seu? Você ta brincando comigo, né?
AMELINA – Amiga, você me conhece muito bem. E sabe que eu não iria brincar com uma coisa séria dessas.
JANE – Isso é verdade.
AMELINA – Mas como a gente vai dividir o dinheiro?
JANE – Dividir? Achado não é roubado.
AMELINA – Como não, Jane? Eu quero minha parte. Afinal, fui eu que fiz o jogo.
JANE – Mas fui eu quem achou o jogo.
AMELINA – Mas se eu não tivesse marcado os números certos você não ia achar um bilhete premiado, mas apenas um simples bilhete.
JANE – É verdade, amiga. Eu não posso ser injusta com você. Afinal você nunca iria me passar pra trás.
AMELINA – Claro que não. Então fica metade pra mim e metade pra você.
JANE – Não, amiga.
AMELINA – É verdade. Desculpe minha injustiça amiga. Ficam 70 a 30.
JANE – Bem melhor.
AMELINA – 70 pra mim e 30 pra você.
JANE – Mas amiga...?!
AMELINA – De quanto que é o valor mesmo?
JANE – 100 mil.
AMELINA – 100 mil. Tá vendo? Eu sou tão desligada que tinha até esquecido quanto era. Com 30 por cento, você fica com 30 mil reais. É muito dinheiro, você não acha? E por ser sua amiga, compartilho contigo. Afinal como quem marcou os números fui eu, o prêmio devia ficar todo comigo.
JANE – Todo?
AMELINA – Pois veja bem. Você acha um bilhete premiado. Descobre quem é o dono, no caso eu. Devolve o bilhete. Abre mão do dinheiro. E eu chamo a televisão pra mostrar que ainda existe gente honesta neste país.
JANE – A televisão?
AMELINA – A televisão, amiga. O mundo vai te conhecer pelo seu gesto nobre. Já vejo até nos jornais: “Jane, a altruísta!”
JANE – Nossa, é verdade! Eu vou ficar famosa! Nossa... Amiga... Você é super esperta. Tá bom. Pode ficar com os 100 mil pra você. Que eu fico com o altruísmo pra mim.
AMELINA – Ótimo. Mas cadê o bilhete?
JANE –Tá aqui no meu bolso. (Entrega o bilhete para Amelina)
AMELINA – Ótimo. Ótimo. Mas... Mas... Espera um pouco... Este bilhete não foi pago.
JANE – Não?!
AMELINA – Que tipo de idiota marca os números e não paga.
JANE – Você.
AMELINA – O que?
JANE – Você. Esse bilhete não é seu? Mas, amiga, você é distraída mesmo. Como é que você marca os números e esquece de apostar? Que absurdo.
AMELINA – Cala boca, Jane!
JANE – Mas é verdade, amiga. Agora você ficou sem o seu dinheiro e eu sem o meu altruísmo. O que vamos fazer agora?
AMELINA – Tomar café.
JANE – Ótima idéia.
AMELINA – Então vamos tomar na sua casa.
JANE – Por quê?
AMELINA – Altruísmo... Altruísmo, amiga. (Pega a Jane pelo braço e saem de cena)
FIM
Luciene, Liliane e Júlio César
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