Para sempre a tortuosa via angustiada
Em frente
E ocasionalmente eu saberei dizer-te
Que a verdade é o espinho em minha
Carne e mente
Minha vil boca ante o impossível flerte
Pois entre mim e a verdade eu juro
Que o desejo intimo que me acode o
ser
É ser seu súdito de peito aberto e puro
O coração desejaria ter
Mas sou hipócrita e falso e minto
Descaradamente até pra minha mãe
E descaradamente eu minto para o
meu filho
E minto tolamente pra quem me
acompanhe
E teço ironias e cuspo maledicências
E falo do vizinho que me emprestará
O último dinheiro para o leite do seu
filho
E intimamente mando-o para aquele
lugar
E choro no chão frio do banheiro sujo
Da lama que escorre do meu mesmo
coração
E quebro a louça pobre do armário e
fujo
Pro fundo do quintal pensando por que
não
Ter pena de mim mesmo e dó dos
meus filhinhos
E ser um pai zeloso e filho e esposo
e irmão
E ir pro meu trabalho e ir pra minha
escola
E ir porra nenhuma nesta sem razão
Nenhum lugar me espera nenhum
suficiente
Nenhuma coisa alguma em nada há
de haver
O espinho em minha carne arde como
brasa
Na via angustiada em que devo morrer
***
antigamente ele chegava só
quase sempre á mesma hora
pouco após a meia noite
se esgueirava de mansinho
não esbarrava nos móveis
mesmo com a casa ás escuras
mesmo o cachorro solto
mesmo o alarme ligado
cadeado no portão
antigamente era só
meia noite
quase sempre
sem alarde
bem sutil
lá vinha a bater o ponto
antes vinha sempre só
pés de veludo e algodão
imperceptivelmente
vinha sempre
e sempre só
agora o tédio traz consigo o desespero
***
corri de Maupassant
fugi de flaubert
e com você como é?
todos trazem inquietação
e eu não tô a fim de confusão
um frenesi na alma
um arrepio na mente
não quero estar no rol dos dissidentes
e eu detesto caetano e odeio tom zé
com você como é?
não gosto de rimbaud e nem de Mallarmé
e com você como é?
detesto jesus cristo e odeio maomé?
e com você como é?
prefiro luciano eu adoro zezé
e com você como é
tô por fora desse papo de revolução
e eu não tô afim de confusão
um desmantelo na alma
um desnorteio na mente
não quero estar no elenco maldissente
e eu desconheço freud niesztche darwin baudelaire
e com você como é?
go home dostoiéwski patativa do assaré
e com você como é?
open the door pessoa borges goethe voitaire
e com você como é?
bertold brecht henry miller dagomé
e com você como é?
se tem algo que eu detesto é citação
caralho véi que aporrinhação
dá um pertuxo na goela
dá um repuxo na mente
não quero estar na lista dos dementes
***
quem sabe na beirada do mar Cáspio
quem sabe na folha de um facão
na boca de um papo amarelo
na frente da bocarra de um canhão
quem sabe debaixo da roda do trem
quem sabe eu me atire da janela
quem sabe ateie fogo ás minhas vestes
ou me enforque no vestido preto dela
quem sabe uma emboscada no terreiro
quem sabe numa festa de são João
quem sabe na ponta de uma peixeira
quem sabe eu encontre alguma solução
quem sabe corte os pulsos com navalha
quem sabe com um tiro na cabeça
talvez eu me envenene na segunda
quem sabe formicida numa terça
quem sabe uma overdose em dose dupla
e uma carta solta pelo chão
quem sabe barbitúrico estricnina
quem sabe abrir o gás do botijão
quem sabe os pulsos corte e fique olhando
o sangue escorrendo pelo chão
quem sabe um coquetel de comprimidos
quem sabe as rodas de um caminhão
uma corda de boa qualidade
um caibro forte um banco e a solidão
quem sabe um trinta e oito carregado
quem sabe eu encontre alguma solução
***
vejo-te como no filme
semelha um filme mudo
diz-se nada
diz-se tudo
aguardo tua chegada desde sempre
e aguço o fio da espada
e a navalha do punhal
e o gume da palavra
e a folha do facão
me exaspero pólen prata
contra o reles vil metal
esquerda-direita
esquerda-direita
fantasmas e fantoches sobre a jovem capital
quartéis cartéis e lobbies
no eldorado imoral
aguardo-te em silencio ó ausente
com afinco afino as primas
minas de semíninas tais
que os demônios de saul se ausentam pra
nunca mais
Paulo Dagomé
"Radical News"
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