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Antologia poética de Paulo Dagomé - Parte 7 de 7

Eros




E, súbito, me entorpeces,

Me desencaminhas.



E amordaço a ética já rala

E a vala, e o abismo, e o precipício

Sugam-me,

E julgam me engolir pra todo o sempre.



? Pra sempre é como

? E até quando

? Pra sempre é a sucessão do mesmo interminável ciclo

? Circo

? Círculo

? Curral



E, cínico, me cercas,

E vergas meu crânio negróide,

E curvas o meu esqueleto andróide,

E invades o meu afro coração.



? Mas qual é mesmo o nome que ostentas

No afã de enganar, ser ilusório

? Mas qual teu sobrenome e nação



? De onde provém a fúria com que alagas

Meu ser galáctico!

Meu tato auto-cáustico devora-se

No jade dessa pele ouro e sal!



? Será teu nome amor, filha dos deuses

? Teu nome é paixão, filha do sol



! Sonho de carne

! Cerne absoluto

! Fruto proibido

! Libido em ascensão



? Será teu beijo haxixe e papoula

? E teu abraço a mais doce prisão



Põe do teu ópio em meu cachimbo de ouro

Que eu sou rei mas tua é a coroa

E o cetro aponta firme em tua direção...



***



estanho derretido entre as pernas da mulata

e os peitos mais perfeitos que essa rima insensata

e as putas todas rindo da performance inexata

do meu sexo impoluto todo de terno e gravata



e a garoa nas calçadas impinge um brilho de prata

e eu debaixo das cobertas como sardinhas em lata

beijo tua boca vulgar e a tua vulva barata

recebe o membro cachorra e o esguicho de porra farta



e volto de madrugada pra casa prenhe de esparta

pro travesseiro de pedra pro aço do laço que ata

minha desalmada alma que pensa que morre e mata

a mina em que tua bondade lentamente se dilata



metálico-mental mefisto me manuseia e me arrasta



***



está passando está passando

o trem noturno dos meus anos

está passando está passando

está sumindo na avenida

agora um túnel e adiante

na curva azul verde a montanha

me sufocando sul focando

sim ficando sim sumindo

na fumaça dos meus anos

na formatação dos meus planos

deformação desengano

está passando maria passando

bota fogo maquinista

relojoeiro inumano

não humano

minha imagem semelhando

sobe morro desce morro

bota fogo nessa porra

maquinista anarquista

fode a zorra do meu mundo

se eu me chamasse florismundo

seria o oco de um círculo inexistente

cercado de vácuo

evacuo

da minha dor a torrente

está passando maria

bota fogo bota fogo

maquinista que eu fico

na estação dos dementes

como é para o bem de todos

está sumindo o destino

está o tempo engolindo

está maria sumindo

está chorando a partida

na estação me danando

como noiva em desengano

da chegada do amado

no dia das suas núpcias

e eu sou aquele que fica

e eu sou aquele que esvai

e eu sou o trem que se vai

sou estação maquinista

roda de ferro na pista

trilho montanha fumaça

lenço acenando a distância

forno carvão pá apito

sendo não sou mais que este

inútil motor faminto

me abeirando do delírio

abdicando da paz



vai maquinista malungo

mecânico de nunca mais

sossega meu ser cigano

serei fulano cicrano

mas no país de meus pais



***



estou sentado na redoma que criaste

e me sufoca o ar metálico que paira

e quebro pratos e vitrais na noite imensa

e despedaço castiçais me chamam medo



e desgraçado e vil que adorno estranho

este desregramento em meu quintal

e o estilete que lateja em frente à veia

e a seringa que ante a veia se desfaz



e a noite e a noite e a noite e a noite e a noite

e a verdade que cultivo nesta lama

e o desespero que mastigo como um dogma

e a tristeza quase uma religião



estou sentado na colméia que adornaste

abelha mãe rainha senhora deusa dona diva

o cálice transborda gota a gota a minha gota

ó tirania ó flor amarga ó lentidão



faço meu prato à beira do fogão de lenha

mas formicida é o gosto que adivinho em tudo

estou cansado e lúcido e mesquinho

não sou poeta o que é inspiração?



***



é dentro em mim que não está

a pulsação e o desejo

e a força de realizar

que movo-me como autômato



é dentro em mim que reside

toda essa fé às avessas

toda essa crença inversa

esse crer no duvidar



é em mim inteiro que habita

disritmia e cansaço



nenhuma obra de arte

nenhuma forma de fé



neste momento presente

neste momento ausente

sei poderá me salvar



***



disperso na rota

vertical

pseudo-ascendente

pelo falso moralismo vigente



eu fui crente

fui profeta

fui asceta

e nazireu

mas na torre de vigia

eu só a mim via



e eu e eu e eu e eu e eu e eu e eu



e ela

a poesia aidética



consciência sem remédio



tédio

nas tuas planuras

brasília

ilha

filha

solitária

da confusão migratória

de quem também fez-se mãe



***



chuva ácida sobra a flor

do nosso amor tão antigo

agrotóxico ou então

radiação

qualquer dor

no núcleo do teu umbigo



a tempestade no sonho

de uma noite de verão

otelo otário ou

das quatro

não quero nenhuma estação



mina explosiva de minas

dona do amor corrosivo

do meu amor

exclusivo

in-clusivo



amor soropositivo



***



como roubaste o talhe da palmeira?



ah! quem me dera derrotar teu noivo

em um duelo escrito por mãos de shakespeare



me diz como furtaste a elegância aérea

e o passo vaporoso que semelha dança

e o hálito de incenso que aureola deusas

e o porte de princesa que povoa o sonho

do mísero plebeu do sórdido poeta

na forma já desnuda que o grafite almeja

e não consegue nunca

vênus

batsebah



como roubaste de afrodite a poderosa boca?



porque roubaste a minha paz na madrugada louca?



***



conto as horas da mesma noite

em que desgraçados como eu

nutrem-se da sua fome

insana de pão e justiça



não digam quem devo ser

que eu não quero ser ninguém

e quero morrer inédito

e sobreviver incrédulo

do fato de não saber crer



conto os minutos aos pulos

de dez de cinco de sete



tento esquecer-me do tempo

de quem sou escravo tento

invento no meu passo lento



o silêncio das horas me aborrece

a voz da noite me chama pro absurdo sonho

que não quero

que não quero

que não quero



pois que me arrasta para o fundo da água turva

que me submerge a mim

que nunca soube nadar

que nunca soube nada



senão de fantasmas espreitando

atrás da luz negra que não alumia a alma



***



dente no ventre da fruta

burgueses são alinhados

mesmo vestindo blue jeans

mesmo vertendo veneno

são educados e amenos

ouvindo blues nos saraus

nos seus quintais sertanejo



dentes nas grotas das trutas



língua no líquido lácteo



e a áfrica um solo marciano

e os africanos insanos

bastardos alienígenas



e os nordestinos passivos

meros sub-brasileiros

sem dentes fruta ou dinheiro



vão te tomar o dinheiro

burguês filho de uma puta

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