Eros
E, súbito, me entorpeces,
Me desencaminhas.
E amordaço a ética já rala
E a vala, e o abismo, e o precipício
Sugam-me,
E julgam me engolir pra todo o sempre.
? Pra sempre é como
? E até quando
? Pra sempre é a sucessão do mesmo interminável ciclo
? Circo
? Círculo
? Curral
E, cínico, me cercas,
E vergas meu crânio negróide,
E curvas o meu esqueleto andróide,
E invades o meu afro coração.
? Mas qual é mesmo o nome que ostentas
No afã de enganar, ser ilusório
? Mas qual teu sobrenome e nação
? De onde provém a fúria com que alagas
Meu ser galáctico!
Meu tato auto-cáustico devora-se
No jade dessa pele ouro e sal!
? Será teu nome amor, filha dos deuses
? Teu nome é paixão, filha do sol
! Sonho de carne
! Cerne absoluto
! Fruto proibido
! Libido em ascensão
? Será teu beijo haxixe e papoula
? E teu abraço a mais doce prisão
Põe do teu ópio em meu cachimbo de ouro
Que eu sou rei mas tua é a coroa
E o cetro aponta firme em tua direção...
***
estanho derretido entre as pernas da mulata
e os peitos mais perfeitos que essa rima insensata
e as putas todas rindo da performance inexata
do meu sexo impoluto todo de terno e gravata
e a garoa nas calçadas impinge um brilho de prata
e eu debaixo das cobertas como sardinhas em lata
beijo tua boca vulgar e a tua vulva barata
recebe o membro cachorra e o esguicho de porra farta
e volto de madrugada pra casa prenhe de esparta
pro travesseiro de pedra pro aço do laço que ata
minha desalmada alma que pensa que morre e mata
a mina em que tua bondade lentamente se dilata
metálico-mental mefisto me manuseia e me arrasta
***
está passando está passando
o trem noturno dos meus anos
está passando está passando
está sumindo na avenida
agora um túnel e adiante
na curva azul verde a montanha
me sufocando sul focando
sim ficando sim sumindo
na fumaça dos meus anos
na formatação dos meus planos
deformação desengano
está passando maria passando
bota fogo maquinista
relojoeiro inumano
não humano
minha imagem semelhando
sobe morro desce morro
bota fogo nessa porra
maquinista anarquista
fode a zorra do meu mundo
se eu me chamasse florismundo
seria o oco de um círculo inexistente
cercado de vácuo
evacuo
da minha dor a torrente
está passando maria
bota fogo bota fogo
maquinista que eu fico
na estação dos dementes
como é para o bem de todos
está sumindo o destino
está o tempo engolindo
está maria sumindo
está chorando a partida
na estação me danando
como noiva em desengano
da chegada do amado
no dia das suas núpcias
e eu sou aquele que fica
e eu sou aquele que esvai
e eu sou o trem que se vai
sou estação maquinista
roda de ferro na pista
trilho montanha fumaça
lenço acenando a distância
forno carvão pá apito
sendo não sou mais que este
inútil motor faminto
me abeirando do delírio
abdicando da paz
vai maquinista malungo
mecânico de nunca mais
sossega meu ser cigano
serei fulano cicrano
mas no país de meus pais
***
estou sentado na redoma que criaste
e me sufoca o ar metálico que paira
e quebro pratos e vitrais na noite imensa
e despedaço castiçais me chamam medo
e desgraçado e vil que adorno estranho
este desregramento em meu quintal
e o estilete que lateja em frente à veia
e a seringa que ante a veia se desfaz
e a noite e a noite e a noite e a noite e a noite
e a verdade que cultivo nesta lama
e o desespero que mastigo como um dogma
e a tristeza quase uma religião
estou sentado na colméia que adornaste
abelha mãe rainha senhora deusa dona diva
o cálice transborda gota a gota a minha gota
ó tirania ó flor amarga ó lentidão
faço meu prato à beira do fogão de lenha
mas formicida é o gosto que adivinho em tudo
estou cansado e lúcido e mesquinho
não sou poeta o que é inspiração?
***
é dentro em mim que não está
a pulsação e o desejo
e a força de realizar
que movo-me como autômato
é dentro em mim que reside
toda essa fé às avessas
toda essa crença inversa
esse crer no duvidar
é em mim inteiro que habita
disritmia e cansaço
nenhuma obra de arte
nenhuma forma de fé
neste momento presente
neste momento ausente
sei poderá me salvar
***
disperso na rota
vertical
pseudo-ascendente
pelo falso moralismo vigente
eu fui crente
fui profeta
fui asceta
e nazireu
mas na torre de vigia
eu só a mim via
e eu e eu e eu e eu e eu e eu e eu
e ela
a poesia aidética
consciência sem remédio
tédio
nas tuas planuras
brasília
ilha
filha
solitária
da confusão migratória
de quem também fez-se mãe
***
chuva ácida sobra a flor
do nosso amor tão antigo
agrotóxico ou então
radiação
qualquer dor
no núcleo do teu umbigo
a tempestade no sonho
de uma noite de verão
otelo otário ou
das quatro
não quero nenhuma estação
mina explosiva de minas
dona do amor corrosivo
do meu amor
exclusivo
in-clusivo
amor soropositivo
***
como roubaste o talhe da palmeira?
ah! quem me dera derrotar teu noivo
em um duelo escrito por mãos de shakespeare
me diz como furtaste a elegância aérea
e o passo vaporoso que semelha dança
e o hálito de incenso que aureola deusas
e o porte de princesa que povoa o sonho
do mísero plebeu do sórdido poeta
na forma já desnuda que o grafite almeja
e não consegue nunca
vênus
batsebah
como roubaste de afrodite a poderosa boca?
porque roubaste a minha paz na madrugada louca?
***
conto as horas da mesma noite
em que desgraçados como eu
nutrem-se da sua fome
insana de pão e justiça
não digam quem devo ser
que eu não quero ser ninguém
e quero morrer inédito
e sobreviver incrédulo
do fato de não saber crer
conto os minutos aos pulos
de dez de cinco de sete
tento esquecer-me do tempo
de quem sou escravo tento
invento no meu passo lento
o silêncio das horas me aborrece
a voz da noite me chama pro absurdo sonho
que não quero
que não quero
que não quero
pois que me arrasta para o fundo da água turva
que me submerge a mim
que nunca soube nadar
que nunca soube nada
senão de fantasmas espreitando
atrás da luz negra que não alumia a alma
***
dente no ventre da fruta
burgueses são alinhados
mesmo vestindo blue jeans
mesmo vertendo veneno
são educados e amenos
ouvindo blues nos saraus
nos seus quintais sertanejo
dentes nas grotas das trutas
língua no líquido lácteo
e a áfrica um solo marciano
e os africanos insanos
bastardos alienígenas
e os nordestinos passivos
meros sub-brasileiros
sem dentes fruta ou dinheiro
vão te tomar o dinheiro
burguês filho de uma puta
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