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Antologia poética de Paulo Dagomé - Parte 6 de 7

minha alma de artista em minhas mãos aleijadas


minha pena quebrada e este mar de paixões

e esta voz apagada e estes olhos glaucoma

meu cinzel aleijado óleo sobre o telão



mini mídia míseria minha mínima língua

minha destra destituída de qualquer dom

e essa fome de artista e esse copo sem água

e esse esforço secreto ao criar só-luções



e essas asas que sei deveriam acoplar-se

ao meu dorso e este mísero pomo de adão

que se abaixa e se eleva soba a goela cortada

jugular julgo inútil esse amor sem razão



e esse olhar piedoso sobre a humanidade

e essa impiedade própria da inação

amputados os dedos no marfim do piano

impossíveis pestanas bordão mi violão



e essa sede de artista na língua leprosa

e eu caricatura de um deus brincalhão

deu-me a necesidade de expor minha fome

deu-me a incapacidade de produzir pão



***



mil fragmentos de aço

pretérito mais que imperfeito

muralhas os peitos e os braços

de pau a pique e cansaço



cinismo fraudulento nos pleitos

legisla-se em auto-proveito

ceva-se o próprio provento

em detrimento do pátrio



o trágico trajeto que traço

do teu ó torre terraço

ao seio do solo cerrado

não passa de sonho emperrado



remiro os viadutos esparsos

desejo ó morte em vão teu regaço

que pra viver de fato sou macho

mas não te abraço não não te abraço



erijo altares aos deuses que faço

enquanto aspiro marijuana e tabaco

esculpo totens de plástico e aço

cubro meu rosto com máscara e escalpo

calço alpercatas prenhes de cangaço

bola de meia no campo estrelado

zorro em quadrinhos tex homem de aço

prateleiras da globo sobrando enlatados



há pernas travestidas no meu sonho fácil

as dobras do planeta quase não tem talco

há algo de pútrido na pátria de lamarca

a falta que a moeda faz quando na barca



antolhos delimitam meu espaço

condicionado feito mero rato

antonto trasantonte o que que eu faço

quem sou quem fiu nada me diz de fato

que eu não pergunto nada sou relapso

que eu não vou no encalço tolamente

a incógnita me fere o crânio imerso

no verso abastraído substrato

do cansaço da vida. Do cansaço...



***



Namoro



nosso namoro está sempre novo

embora os anos teimem em passar

só não te abraço no meio do povo

pois você sabe como eu vou ficar



e em ficando como sempre fico

configurado o preâmbulo do êxtase

eu quero o ápice do sol a pino sobre o pico

das elevações maduras onde entro em catarse



porém tendo chegado ao topo da montanha

e dela escorregando na vertigem dos licores

agarro ancas e pêlos dono de renovada sanha

enebriado em teu hálito e ao sabor dos teus odores



mas quando abatido em pleno vôo orgasmático

pelos soluços e arquejos abissais do novo gozo

embora o amor dos outros teime em ser prático

nosso namoro será novo de novo



***



alada alma



alagada alga

oscila

num mar de trevas

levas sobre o lombo

os tombos

escombros

do que chamavas tua casa

asa vasa verticais

horizontes

antes rias quando querias

ou

por uma nada

choravas

a vida gastou teus sentimentos

calva como avenida larga

a alma pássara

teima em querer parecer ser

phoenix

quis

não foi feliz

foi nada

asa decepada

espada cega

negam-te

a aérea vereda imaginada

brada a

teus filhos ó asa de libélula

em corpo de avião

que se adaptem se contentem se atenham

ao chão



***



antigamente o homem inventou o tempo

querendo medir o espaço

entre o raio e o trovão

e descobriu-se finito

como o espaço entre o trigo

e o pão



então inventou ele a consci~encia

para definir o espaço

entre o que pode e o que não

e descobriu-se moral

naquele estreito entre o herege

e o cristão



depois ele inventou deus

recheou-o de atributos

entre a bíblia e o alcorão

entre moisés e maomé

pôs jesus de nazaré

impagável ficção



depois inventou o amor

na ânsia de cercear

os desejos do coração

e descobriu-se perdido

como uma língua sedenta

entre a ferida e um velho cão



***



a noite e mais de um sortilégio

e o tédio em mais de mil horas mortas

e as metas que não alcanço em não tendo-as

nem estendo as minhas mãos ao senhor



a noite e seus fantasmas devassos

os lenços de tão molhados não acenam

e a sina de ser soldado sem soldo

e o caldo que é quase um vômito grosso



a noite seus cães insones ladrando

ladrões imberbes e desafortunados

não não me chamem pra passar pro seu lado

não não me queiram como seu adversário



a madrugada traz-me o tédio assombroso

e os roquinhos de uma rádio qualquer e insossa

e os olhos no teto nublados nublados

meu olhar salgado de lágrima e opaco



tanto faz jazz como maracatu

se eu não sou um sou nenhum sou ninguém

não não me convidem para padre ou bombeiro

não não me contem no recenseamento



a quase manhã me encontra aborto

na inútil procura da vã meditação

não não vivo por música sou puro improviso

não não meçam não tracem meus dias sua dor



***



banzo banzo banzo

amo a minha solidão mas tanto

que com mim mesmo copulo

teço meu próprio casulo

com a teia do desencanto



canto canto canto

mas choro tanto que é fonte

a minha face de pedra

erro pelas alamedas

penso em me atirar da ponte



choro choro choro

a tua ausência amiga

olho o chão que não te traz

não é que eu creia na paz

mas porque você não liga



droga droga droga



***



em mim o ótico exótico

em mim a ética estética

literatura antológica

a poesia ao inverso



a prosa é proeza prosaica



mosaicos da infância caótica



humanos são mera estatística



os livros enfeitam a estante

o clássico na música é o bastante

pro educar do menino

nos livros também não obstante

ontem isto não era pop?



meu sangue e carne baianos

meu cerne africano

meu tino

são em mim esta preguiça

são em mim como essa ausência

leve como sombra densa

ao luar da capital



etc. coisa e tal



***



decifra-me ó esfinge

sou uma carta surreal

entra-me pelosmeus olhos

molda-te em meu corpo alheio

clone do teu desejar



vem como as ondas do rádio

vem como as ondas do mar

vem como teu sal ao rochedo

vem deuxa de além-marte



destina-me afrodite

seráfica demônia de olhos góticos

arcanja do absurdo indevassável

reúne estas palavras no teu nexo

ensina-me outro texto

não reflexo

do sexo do sexo do sexo do sexo



***



dá-me o cálice inteiro

dá-me a garrafa

o barril

que quero embeber-me sem medo

que quero embriagar-me de todo

nas correntezas bravias

que percorrem minha alma

dizendo, desperta, ó bardo!

já e tempo de acordares

que a existência pode bem ser uma só

embriaga-te de vida, bado de futilidades

e compra aquele carro

e rouba aquele iate

e mata o inimigo

e cala a quem te bate

com tua língua instrumento

para destro espadachim



ou não



atira-te ao poço da inocência

atira-te ao mar

que não existe

nos altiplanos toscos de brasília

ou mete pelos pés tuas mãos frias

contorcionista vil da inexistência

cartum de um deus de mui pouco talento

que simplesmente brinca de universo

com suas criaturas e nosferatus

porque razão não vem e nos liberta

da hipocrisia daquele e não diz basta

e escraviza a raça

e escraviza o cosmo

porém sem esconder-se atrás da sarça

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