minha alma de artista em minhas mãos aleijadas
minha pena quebrada e este mar de paixões
e esta voz apagada e estes olhos glaucoma
meu cinzel aleijado óleo sobre o telão
mini mídia míseria minha mínima língua
minha destra destituída de qualquer dom
e essa fome de artista e esse copo sem água
e esse esforço secreto ao criar só-luções
e essas asas que sei deveriam acoplar-se
ao meu dorso e este mísero pomo de adão
que se abaixa e se eleva soba a goela cortada
jugular julgo inútil esse amor sem razão
e esse olhar piedoso sobre a humanidade
e essa impiedade própria da inação
amputados os dedos no marfim do piano
impossíveis pestanas bordão mi violão
e essa sede de artista na língua leprosa
e eu caricatura de um deus brincalhão
deu-me a necesidade de expor minha fome
deu-me a incapacidade de produzir pão
***
mil fragmentos de aço
pretérito mais que imperfeito
muralhas os peitos e os braços
de pau a pique e cansaço
cinismo fraudulento nos pleitos
legisla-se em auto-proveito
ceva-se o próprio provento
em detrimento do pátrio
o trágico trajeto que traço
do teu ó torre terraço
ao seio do solo cerrado
não passa de sonho emperrado
remiro os viadutos esparsos
desejo ó morte em vão teu regaço
que pra viver de fato sou macho
mas não te abraço não não te abraço
erijo altares aos deuses que faço
enquanto aspiro marijuana e tabaco
esculpo totens de plástico e aço
cubro meu rosto com máscara e escalpo
calço alpercatas prenhes de cangaço
bola de meia no campo estrelado
zorro em quadrinhos tex homem de aço
prateleiras da globo sobrando enlatados
há pernas travestidas no meu sonho fácil
as dobras do planeta quase não tem talco
há algo de pútrido na pátria de lamarca
a falta que a moeda faz quando na barca
antolhos delimitam meu espaço
condicionado feito mero rato
antonto trasantonte o que que eu faço
quem sou quem fiu nada me diz de fato
que eu não pergunto nada sou relapso
que eu não vou no encalço tolamente
a incógnita me fere o crânio imerso
no verso abastraído substrato
do cansaço da vida. Do cansaço...
***
Namoro
nosso namoro está sempre novo
embora os anos teimem em passar
só não te abraço no meio do povo
pois você sabe como eu vou ficar
e em ficando como sempre fico
configurado o preâmbulo do êxtase
eu quero o ápice do sol a pino sobre o pico
das elevações maduras onde entro em catarse
porém tendo chegado ao topo da montanha
e dela escorregando na vertigem dos licores
agarro ancas e pêlos dono de renovada sanha
enebriado em teu hálito e ao sabor dos teus odores
mas quando abatido em pleno vôo orgasmático
pelos soluços e arquejos abissais do novo gozo
embora o amor dos outros teime em ser prático
nosso namoro será novo de novo
***
alada alma
alagada alga
oscila
num mar de trevas
levas sobre o lombo
os tombos
escombros
do que chamavas tua casa
asa vasa verticais
horizontes
antes rias quando querias
ou
por uma nada
choravas
a vida gastou teus sentimentos
calva como avenida larga
a alma pássara
teima em querer parecer ser
phoenix
quis
não foi feliz
foi nada
asa decepada
espada cega
negam-te
a aérea vereda imaginada
brada a
teus filhos ó asa de libélula
em corpo de avião
que se adaptem se contentem se atenham
ao chão
***
antigamente o homem inventou o tempo
querendo medir o espaço
entre o raio e o trovão
e descobriu-se finito
como o espaço entre o trigo
e o pão
então inventou ele a consci~encia
para definir o espaço
entre o que pode e o que não
e descobriu-se moral
naquele estreito entre o herege
e o cristão
depois ele inventou deus
recheou-o de atributos
entre a bíblia e o alcorão
entre moisés e maomé
pôs jesus de nazaré
impagável ficção
depois inventou o amor
na ânsia de cercear
os desejos do coração
e descobriu-se perdido
como uma língua sedenta
entre a ferida e um velho cão
***
a noite e mais de um sortilégio
e o tédio em mais de mil horas mortas
e as metas que não alcanço em não tendo-as
nem estendo as minhas mãos ao senhor
a noite e seus fantasmas devassos
os lenços de tão molhados não acenam
e a sina de ser soldado sem soldo
e o caldo que é quase um vômito grosso
a noite seus cães insones ladrando
ladrões imberbes e desafortunados
não não me chamem pra passar pro seu lado
não não me queiram como seu adversário
a madrugada traz-me o tédio assombroso
e os roquinhos de uma rádio qualquer e insossa
e os olhos no teto nublados nublados
meu olhar salgado de lágrima e opaco
tanto faz jazz como maracatu
se eu não sou um sou nenhum sou ninguém
não não me convidem para padre ou bombeiro
não não me contem no recenseamento
a quase manhã me encontra aborto
na inútil procura da vã meditação
não não vivo por música sou puro improviso
não não meçam não tracem meus dias sua dor
***
banzo banzo banzo
amo a minha solidão mas tanto
que com mim mesmo copulo
teço meu próprio casulo
com a teia do desencanto
canto canto canto
mas choro tanto que é fonte
a minha face de pedra
erro pelas alamedas
penso em me atirar da ponte
choro choro choro
a tua ausência amiga
olho o chão que não te traz
não é que eu creia na paz
mas porque você não liga
droga droga droga
***
em mim o ótico exótico
em mim a ética estética
literatura antológica
a poesia ao inverso
a prosa é proeza prosaica
mosaicos da infância caótica
humanos são mera estatística
os livros enfeitam a estante
o clássico na música é o bastante
pro educar do menino
nos livros também não obstante
ontem isto não era pop?
meu sangue e carne baianos
meu cerne africano
meu tino
são em mim esta preguiça
são em mim como essa ausência
leve como sombra densa
ao luar da capital
etc. coisa e tal
***
decifra-me ó esfinge
sou uma carta surreal
entra-me pelosmeus olhos
molda-te em meu corpo alheio
clone do teu desejar
vem como as ondas do rádio
vem como as ondas do mar
vem como teu sal ao rochedo
vem deuxa de além-marte
destina-me afrodite
seráfica demônia de olhos góticos
arcanja do absurdo indevassável
reúne estas palavras no teu nexo
ensina-me outro texto
não reflexo
do sexo do sexo do sexo do sexo
***
dá-me o cálice inteiro
dá-me a garrafa
o barril
que quero embeber-me sem medo
que quero embriagar-me de todo
nas correntezas bravias
que percorrem minha alma
dizendo, desperta, ó bardo!
já e tempo de acordares
que a existência pode bem ser uma só
embriaga-te de vida, bado de futilidades
e compra aquele carro
e rouba aquele iate
e mata o inimigo
e cala a quem te bate
com tua língua instrumento
para destro espadachim
ou não
atira-te ao poço da inocência
atira-te ao mar
que não existe
nos altiplanos toscos de brasília
ou mete pelos pés tuas mãos frias
contorcionista vil da inexistência
cartum de um deus de mui pouco talento
que simplesmente brinca de universo
com suas criaturas e nosferatus
porque razão não vem e nos liberta
da hipocrisia daquele e não diz basta
e escraviza a raça
e escraviza o cosmo
porém sem esconder-se atrás da sarça
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