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O xeque-mate

Tiago é um adulto de 29 anos, desempregado e pai de 12 crianças que não são mais do que um bando de capetinhas inspirados em Devana Babu. Sua situação é mais do que precária: Está devendo ao açougueiro, ao padeiro, ao farmacêutico, ao marceneiro, ao Grilo do mercado, à sua mãe, ao seu pai, à sua esposa, aos seus doze filhos, ao seu amigo João Latão e ao seu cachorro... Só não deve mais para o pardal de estimação porque este já morreu de fome. Só consegue se manter graças a Roriz e sua cesta básica que, mesmo assim, é uma miséria. Esta jurado de morte por ter pegado de volta seu vaso sanitário que o vizinho roubou. Acontecem tiroteios entre gangues inimigas freqüentemente, é assaltado umas duas ou três vezes por semana e cada assalto é com um assaltante diferente. Sua casa está sustentada por colunas de madeira que já não estão mais agüentando e pode cair a qualquer minuto. Sua filha foi estuprada nove vezes e está grávida, quatro dos seus filhos estão usando drogas e dois outros no Caje. Tem problemas de saúde como pressão alta, sopro no coração e um tumor no pulmão. Enquanto escrevia este texto, sua esposa foi assassinada pelo “Maníaco das Mulheres de Pernas Abertas”. Está sem água e sem luz e planeja enterrar sua esposa junto ao pardal de estimação que morreu de fome.

Certo dia Tiago andava todo sorridente a caminho da Igreja Universal com a Bíblia na mão. Passou por um tiroteio; foi assaltado (mas o bandido, vendo sua situação, deu-lhe algum dinheiro e praguejou por que ele não tinha nada de valor). Logo depois correu do seu vizinho que já se aproximava com uma peixeira querendo matá-lo. Mas, a caminho da igreja, com a Bíblia sob o braço, sua alegria era inabalável. Nada poderia tirar o sorriso de seus lábios, o brilho de seus olhos e a certeza de seu coração: Deus me protegerá de todos os males; o Senhor é meu pastor e nada me faltará.

Mas havia algo no ar... Pareceu-lhe que haveria algo naquele dia.

Chegando à igreja, tomado pela sua gratidão para com todas as coisas que Deus lhe deu, encontrou uma cena de barbárie que lhe chocou: Os fiéis todos mortos. Mulheres de véu ensangüentadas entre os bancos, homens de terno com os crânios abertos, o pastor enforcado com o fio do microfone e uma Bíblia manchada de sangue. O sangue de Cristo confundia-se com o sangue dos fiéis. Mas a carne deles não viraria pão. Perto do altar, pichado ao lado da cruz pesada de madeira e entre as orações fatídicas,as blasfêmias inaceitáveis:

Não há o que agradecer.

E nem a quem agradecer.

Nas mãos de um dos fieis, um trinta e oito com um único projétil. Embora sua mente fosse acometida por milhões de pensamentos e lembranças amargas e sofridas, não se deu ao luxo de pensar. O sorriso esvaiu-se de seu rosto torturado. Olhou novamente para o revólver: xeque-mate.

Luis Próton

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