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A Livre Negociação

JIVALDO – Bom dia, moço! É daqui que tão oferecendo uma vaga pra vigia?


EMPREGADOR – É daqui sim. O senhor gostaria de concorrer ao cargo?

JIVALDO – É claro! Senão o que é que eu estava fazendo aqui? Mas me diga uma coisa? é com o senhor mesmo que eu falo?

EMPREGADOR – É lógico! O senhor esta vendo mais alguém aqui?

JIVALDO – O senhor é difícil, né? Mas me diga só mais uma coisinha: o senhor quer ver meus documentos?

EMPREGADOR – Quero, sim. Me dê aqui. Como é mesmo o seu nome?

JIVALDO – JIVALDO Deméstocles, um nome fácil desses... O senhor não sabe ler não, é?

EMPREGADOR – Claro que sei. O senhor é muito folgado.

JIVALDO – E o senhor é muito do mal educado... Nem me mandou sentar...

EMPREGADOR – Queira me desculpar... Pode sentar-se doutor JIVALDO Deméstocles!

JIVALDO – Obrigado, mas não precisa me chamar de doutor, não! Só de senhor JIVALDO DEMÉSTOCLES, eu ainda não fiz doutorado, não senhor.

EMPREGADOR – Doutorado, é? O senhor pelo menos sabe ler?

JIVALDO – Claro que sei! Leio muito e muito bem!

EMPREGADOR – E o que o senhor costuma ler?

JIVALDO – Costumo ler a gazeta mercantil.

EMPREGADOR – A gazeta? Mas aonde é que você, pobre e desempregado, arruma dinheiro para comprar um jornal caro desses?!?

JIVALDO – Eu costumo ler o que minha mulher traz da casa onde ela faz faxina lá no lago sul.

EMPREGADOR – E o que o senhor aprende lendo a gazeta?

JIVALDO – Aprendo como funciona as medidas loucas de cada governo, as mudanças da globalização, os fóruns internacionais, essas coisas...

EMPREGADOR – Interessante... E o que mais o senhor aprende?

JIVALDO – Aprendo que quando o juro sobe, o de comer fica mais caro... Quando o juro desce, o emprego é que fica raro... Quando muda o presidente é o povo que mais sente... quando a mulher do bush faz greve o mundo é que leva chumbo... quando a galega faz greve o barbudinho cai no me e enquanto os bacanas tão tomando champagne no lago sul nós em são Sebastião só tomamos é... Pitú.

EMPREGADOR – Ta bom, já chega... Mas vamos ao que interessa...

JIVALDO – E o que é que lhe interessa?

EMPREGADOR – Deixa ver Identidade, CPF, Título, Reservista, mas cadê a Carteira assinada! O senhor nunca trabalhou?

JIVALDO –Já trabalhei, sim... Só nunca tive esse negócio de Carteira assinada não, sinhô... Eu já vigiei chácara, fazenda, sitio... Olhe, eu já vigiei a fazenda do seu Luiz Estevão, do seu Pedro Passos, do seu Zé Edmar... Ô povinho que planta laranja... Mas nunca assinaram minha carteira, não.

EMPREGADOR – Mas, meu senhor, no anuncio dizia: com experiência comprovada de pelo menos um ano!.

JIVALDO – Mas eu tô falando pro senhor! Não serve, não?

EMPREGADOR – Não. Não serve, não! Tem que ter um documento comprovando que o senhor já trabalhou como vigia!.

JIVALDO – Mas, peraí, o senhor por um acaso tem aí alguma carta de recomendação de algum ex-funcionario me garantindo que vocês são bons patrões?

EMPREGADOR – Mas, meu senhor, esse não é o procedimento! O candidato ao emprego é que deve apresentar documento comprovando experiência anterior...

JIVALDO – Então o senhor ia acreditar em um sujeito que o senhor não conhece e nunca viu? Se for assim pode acreditar em mim mesmo, que tô na sua frente. Eu sei trabalhar muito bem como vigia!

EMPREGADOR – Tá bom, tá bom... Gostei do seu tipo e vou lhe dar uma chance.

JIVALDO – Negativo, negativo, negativo!!! A chance é para mim, mas também é para o senhor!!! o senhor nunca viu o que marquinho falou, não!?!?

EMPREGADOR – Marquinho? Quem diabos é marquinho?

JIVALDO – Karl Marx, homem!! A luta entre as classes... A ditadura dos proletas..., porque, se de um lado eu preciso do emprego, tu precisa de alguém para trabalhar,´é ou não é? Então deu certinho: Um doido para matar... O outro doido para morrer...

EMPREGADOR – Olhe aqui! O senhor vai querer o emprego, ou não?

JIVALDO – Mas é claro! E o senhor? Vai querer o vigia, ou não? Mas antes me diga só uma coisinha... De quanto que é o salário, hein?

EMPREGADOR – Salário... Salário... Salário mínimo.

JIVALDO – Só???

EMPREGADOR – Só!!!

JIVALDO – Mas, é muito pouco!!!

EMPREGADOR – Pouco? Quanto mais o senhor acha que deve ganhar alguém que nem tem experiência comprovada?!?!

JIVALDO – Isso depende do que se vai vigiar!!!

EMPREGADOR – Deixe de conversa fiada, que o emprego de vigia é o mesmo, em todo lugar.

JIVALDO – Negativo, negativo, negativo!!! Se eu for vigiar um prediozinho pequenininho assim é uma coisa... Mas se eu for vigiar um prédio enorme de grande como esse... Cheio de pompa... Esbanjando opulência... Parece mais o TRT de são Paulo... Então eudeveria ganhar mais! Alem do mais, eu corro risco de vida, aqui.

EMPREGADOR – Risco de vida?

JIVALDO – Risco de vida!!! Porque eu sei que esse prédio foi construído por Sérgio Naya e pode desabar em cima de mim a qualquer momento! Por isso eu deveria ganhar mais.

EMPREGADOR – Olhe aqui, meu amigo, é salário mínimo, se quiser!!!

JIVALDO – Tá bom, mas o senhor é muito inflexível. Nunca ouviu falar de Budismo, não? O Caminho do meio... A virtude entre os extremos... Não tem medo de voltar desempregado na outra encarnação, não? Mas... Quanto aos salários indiretos... A quais terei direito?

EMPREGADOR – Salários o quê!?!?

JIVALDO – Salários indiretos... Aqueles que vem em posição diretamente contrária aos diretos. Os indiretos.

EMPREGADOR – Entendi, entendi... Bem, o senhor tem direito a: Vale Transporte... Ticket Refeição... E o senhor ainda pode visitar o clube da nossa empresa, o Clube do Pato.

JIVALDO – Eu não quero saber de clube de empresa, não. No clube de empresa só da homem buxudo, mulher varizenta, e criança catarrenta, eu quero é saber do tic.

EMPREGADOR – O que é que tem o ticket?

JIVALDO – o tic?

EMPREGADOR – já ouvi... o que tem o ticket?

JIVALDO – de quanto que é o tic?

EMPREGADOR – Éde três Reais.

JIVALDO – Três real!?!?!.

EMPREGADOR – Três reais!!!!.

JIVALDO – Três real!!?!?!?!?!?

EMPREGADOR – É, meu senhor! Três reais!!! O que é que tem?!?!

JIVALDO – éÉmuito pouco!!! O senhor quer que eu passe a noite inteira vigiando esse prédio enorme de grande, para cima e para baixo, e só possa comer o que possível se comprar por três real. O comunitário não é aberto a noite, não, o senhor sabia?

EMPREGADOR –Olha aqui, seu... Como é mesmo o seu nome?

JIVALDO – É JIVALDO DEMÉSTOCLES!!! um nome fácil desses... Já esqueceu, é?

EMPREGADOR – Olha, seu JIVALDO, é pegar ou largar.

JIVALDO – O senhor é duro que nem uma pedra, mas, tudo bem... De início, eu acho que vou aceitar esse emprego.

EMPREGADOR – De inicio!!!! Olhe aqui, meu senhor, fique sabendo que a nossa empresa não tem plano de carreira pro seu cargo, não e, portanto, o senhor vai entrar como vigia e vai sair como vigia.

JIVALDO – O senhor é ruim demais... Nem posso sonhar... O senhor não conhece as minhas habilidades... nunca viu minhas capacidades... O senhor sabia que Deoclécio começou como vigia num mercadinho e hoje já é gerente geral????

EMPREGADOR – Deoclécio? Quem é esse prego?

JIVALDO – O senhor é desinformado, nè? Deoclécio...filho de Dona Maria do Sinésio, vizinho meu lá em São Sebastião... Ele começou como vigia num mercadinho e toda noite ele matava rato silvestre, matava rato silvestre e hoje, depois de dez anos, já é gerente geral.

EMPREGADOR – Eu não quero saber dessas historias, não! Dê-se por satisfeito que o senhor está empregado e compareça ao serviço amanhã, às oito da manhã!

JIVALDO – Amanha?

EMPREGADOR – É!! Por acaso eu falo Javanês? Amanhã, por que?

JIVALDO – Amanha... mas amanha é sábado... Não é melhor começar segunda pra tudo ficar certinho?

EMPREGADOR – Amanha! Às oito horas!

JIVALDO – O senhor é duro demais! muito inflexível! Mas, tudo bem... Eu começo amanha... Eu só quero saber onde eu pego o meu salário adiantado?

– Salário adiantado? O senhor é louco?

EMPREGADOR JIVALDO – Negativo, negativo, negativo!!! O senhor sabe quantos são os tipos de capital?

EMPREGADOR – Do que o senhor esta falando? Tipos de quê?!?!

JIVALDO – São cinco os tipos de capital: Dinheiro, Terra, Ferramenta, Capital Intelectual e força de trabalho!!!!

EMPREGADOR – O que é isso, agora? O caipira jantou sopa de letrinha e amanheceu arrotando teoria econômica?

JIVALDO – É isso mesmo. Eu não vou emprestar minha única forma de capital que é minha força de trabalho, o suor do meu rosto pra essa empresa podre de rica e só receber por isso depois de trinta dias!!!!

EMPREGADOR – E o que isso tem de mais? Por um acaso todos não fazem assim?

JIVALDO – Acontece que eu não sou todos!!! eu sou JIVALDO DEMÉSTOCLES!!! tenho pensamentos próprios e atitudes próprias e não vou trabalhar para essa empresa rica e só receber no fim do mês.

EMPREGADOR – Mas vem cá, meu querido! E quem é que me garante que o senhor não vai pegar esse dinheiro e nunca mais aparecer aqui?

JIVALDO – Olha que desse jeito o senhor tá me ofendendo!!! Eu sou um cidadão de bem!!! E, por outro lado, quem é que me garante que essa empresa não vai fechar no vigésimo nono dia do mês, só para não pagar o meu salário?

EMPREGADOR – Isso é um absurdo!!!

JIVALDO – Absurdo, nada!!! Eu vejo o boninho falando isso todos os dias na televisão!!! .

EMPREGADOR – Boninho? Quem diabos é boninho?

JIVALDO – Tu é desinformado, mesmo, nè? William Bonner, rapaz!!! Todo o dia ele fala lá no Jornal Nacional: Boa noite! O Jornal Nacional está começando... E hoje vamosver: Calotes, Roubos, Falências fraudulentas, caixa um, caixa dois, empresas fantasmas. E ainda fala: Não é, Fátima?, só para ver como o negócio é serio! Então eu quero o meu salário adiantado.

EMPREGADOR – Afinal, o senhor veio aqui procurar emprego ou pedir dinheiro?

JIVALDO – Vim procurar emprego, mas sabe como é a situação tá difícil... Eu tenho cinco filhos para criar... o bethovenzinho, o shakespearezinho, thackoviskizinho, o platãozinho, e devido ao meu coração corintiano, o socratezinho. E o senhor quer que eu só faça compras no fim do mês?

EMPREGADOR – Eu não tenho culpa se o senhor não faz nenhuma reserva de capital.

JIVALDO – E o senhor já viu pobre fazer alguma reserva de capital? Isso é para quem tem tanto dinheiro que até sobra um excedente.

EMPREGADOR – Tá bom... Como eu já disse, eu fui com a sua cara... O que se pode fazer é lhe adiantar uns sessenta e cinco reais para o senhor se agüentar ate o fim do mês.

JIVALDO – Sessenta e cinco reais? Bem, de acordo com os cálculos que eu aprendi com Betinho...

EMPREGADOR – E agora essa!!! Quem é esse tal de Betinho?

JIVALDO – O senhor é mesmo muito desinformado! Betinho, rapaz!!! Albert Eisntein!!! De acordo com os cálculos que eu aprendi com ele, sessenta e cinco reais equivale a um quarto do meu salário, então eu só vou trabalhar um quarto do mês, que equivale uma semana.

EMPREGADOR – E o resto do tempo? O senhor vai fazer o que?

JIVALDO – Vou fazer greve, promover piquetes, orientar os meus companheiros, fazer arruaça ate que vocês paguem o meu salário.

EMPREGADOR – Olha, pelo que eu estou vendo, senhor JIVALDO, o seu perfil não atende às necessidades desta empresa e se o senhor continuar assim vou demiti-lo hoje mesmo!!!

JIVALDO – O quê!!!!! Mal começo a trabalhar e já estou sofrendo ameaças!!!!! Quer saber de uma coisa: Esse negocio de livre negociação, pacto social, é tudo mentira! Tudo balela! E tem mais: sou eu que te demito! Sou eu que te demito como meu Patrão!!!! Não quero mais trabalhar nesta bosta de empresa.

EMPREGADOR – Ei!!! Volte aqui, rapaz!!!! Eu ainda não terminei!!!.

JIVALDO – Eu vou falar com o meu advogado! Vou mandar ele processar essa porcaria de empresa.

EMPREGADOR – Volte aqui seu subversivo, comunista, arruaceiro.

JIVALDO – E ainda vou lhe processar por danos morais, seu monstrengo.

EMPREGADOR – Ei, volte aqui!!! Volte aqui!!!



The End

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