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Devana Babu

Conheci Devana Babu em uma escola pública pobre de um lugar paupérrimo: São Sebastião, cidade-satélite de Brasília. Estava lá, a 2.027 quilômetros dos chopes da calçada da Fama, a convite da Secretaria de Educação do DF. Missão singela: conversar com os alunos sobre livros que escrevi. A cidade é feia, poeirenta, chega-se à escola por uma rua de chão batido que nem rua é, é mais um terreno baldio.


Mas, quando comecei a falar (e a ouvir), que surpresa. Os alunos prestavam atenção, compenetra dos, faziam perguntas inteligentes. Tinham lido os livros, elaborado redações, desenhos, histórias em quadrinhos e peças teatrais baseadas em alguns contos. Assisti às peças, vi os desenhos, me encantei. Eram ótimos!

Então apareceu Devana Babu. Um mulatinho mirrado e sorridente. Chegou dizendo que também escreveu um livro. Pedi para ver. Ele me deu um exemplar e o autografou. Cinco folhas de papel-oficio grampeadas. "O Esdrúxulo", o título. li a apresentação, escrita por ele mesmo, e fiquei assombrado. Reproduzo-a:

"No momento em que eu, Paulo Sérgio Jr, vulgo Devana Babu, escrevo esse texto, conto 13 anos de idade, e Luís Paulo, vulgo Próton, o desenhista, tem 15 anos. Em plena aula de inglês, observando tolos ataques de histeria de minha professora, um misto de idéias, sentimentos e memórias me acometeram, condensando-se e materializando-se como O Esdrúxulo.

O texto é ambientado na cidade de São Sebastião, às margens das Asas e dos Lagos, sem lazer, sem cinema, sem clube, sem teatro e sem salvação. Um gueto em que os sonhos dos jovens convergem sempre para a exploração do corpo, como modelos que nunca desfilarão em Paris, ou futebolistas que nunca jogarão no Real Madrid, enquanto que a vida dos adultos converge para a servidão. Um vale em que aos fins de semana o fluxo e a população aumentam, porque os copeiros, mordomos, garçons, cozinheiras, faxineiras, empregadas, babás (e toda sorte de denominações de criados) estão voltando da residência dos patrões no Lago Sul. E não podendo manter um lazer lá fora, posto que esse é feito para o consumo burguês, retomam para seus lares apenas programados para descansar (e nem isso para satisfação pessoal, apenas para estar pronto para retomar a jornada de trabalho na segunda-feira).

Essa imobilidade social, essa passividade, essa aura de ignorância, essa redoma de submissão, não apenas reproduzida no colégio, mas presente na cidade, associada a um mundo pessoal, é que deram o tom do texto."

Devana Babu, por Deus, ele mesmo escreveu o que você acabou de ler entre dois pares de aspas. Pois em algo Devana Babu está errado, no texto acima:

São Sebastião tem salvação, sim. São Sebastião, Brasília e o Brasil, desde que dêem escola, livro e chance para meninos como Devana Babu.



David Coimbra
Fonte: Jornal Zero Hora, 9 de setembro de 2005.

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