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Antologia poética de Paulo Dagomé - Parte 3 de 7

rompo a madrugada escura em claro


mas é claro a escuridão da treva negra

venda-me o entendimento e a inconseqüência

do ato nesta noite beira abismos

e desafia os astros ao forjar azares

ao sêmen que derramo sobre a terra dura

que a muito custo emprenha-se e cujo fruto oblíquo

não mata a minha fome de infinito

não basta ao meu tesão da imensa teta

da poesia em minha boca suja

de arqueiro cego e oh psiquê



meu coração diabo ignara glândula

meu coração meu deus e a minha glande

meu coração depósito de esterco

da limária humana irmã da minha

insana animalidade emergente

meu coração meu deus e meu escroto



e as pálpebras que pedem o justo sono

não sei quais são os sonhos que me esperam

no afã de acrisolar meu pensamento

e a madrugada escura em claro rompo



***



sobre abril



teu sorriso colou-se aos meus lábios

araldite durepoxi superbonder

ando agora a contê-lo o sorriso

mas quem disse que o olhar o esconde?



tua imagem acoplou-se-me à pele

circuncisão tatuagem cicatriz

ando agora a espantá-la a imagem

grande é o peso de me achar feliz



teu olhar grudou-se-me à retina

urucum rímel sombra pau-brasil

ando agora a evitá-lo o olhar

para não morrer no trânsito de abril



teu suor perpegou-se-me ao tato

siameses almas gêmeas baião de dois

ando agora a transpirá-lo o suor

vida antes de você... e depois



***



o vento seco

a alma seca

a calma aparente de um crente de um budista

prenunciando o estado

de (-s-) graça

e a fuga da garganta do abismo

que chamará outro abismo

ao sabor do deus-dará



o ventre seco

a ama-seca



o céu

o seio

o cio

o rio



secos



o coração gelado sorvete chupado



o vinho seco

a ceia

o século

o ósculo iscariótico na tua face de ácido

talhada em pedra-sabão



o tempo

seco como bola de futebol de salão



***



ouço ancestrais blues womens

no teu contralto contrito

saco meu colt meu signo

cravo em teu corpo negróide



dama domai-me domina

diva

oh domesticai-me

oh tatuai-me em teus

plegares anulares

oh devastai-me a libido



oh tormenta e calmaria



deusa de origem insuspeita

depõe na minha tua glândula

dispõe

diz põe

diz paul



diz paulatinamente

a verdade



no planalto sem montanhas

me fotografam teus flancos raros

sou tuas ancas poderosas



tua miraculosa boca

discursa para o cosmos

as metáforas que secarão o lago



(dispensado está, ó baco, teu auxílio,

que só nela a embriaguez é urgente,

exata)



todas as estrelas bebem nela o seu lume

e a noite rouba dela o seu negrume

e desliza como sombra

sobre o córrego e sob a ponte

sua elegância de deusa

posta na garganta violoncélica

noturnos de chopin

suítes de elomar



o vento bebe

em seus cabelos

sua música



sua boca é o luar luar luar



***



trombose na minha língua após teu sexo farto

e o membro com reumatismo meu dedo nunca foi casto

e a correnteza a fluir do teu íntimo devasso

e o som já característico do meu no teu ventre de aço



e o pássaro da juventude preparando o nó do laço



***



o tempo congelado em velhas fotos

a terra gira embaixo dos meus pés

o mar a vomitar-se pelas praias

num frêmito constante assim eu mesmo

queria receber nas mãos indóceis

o vômito das minhas próprias vísceras

quem sabe esvaziando-me de mim

o engulho acabaria de estar vivo

e compulsoriamente (ou é covardia?)

compactuar com o crime diuturno

que a humanidade bárbara pratica

contra minha humanidade espartana



ou não é nada disso apenas somos

a raça acasalando-se e a espécie

tentando se manter viva sobre o mundo

ó dor ó dor ó dor ó dor ó deus ó dia



triste dia de domingo se amanhã

já será segunda feira sobre o abismo

e estou tão inclinado minha linda

e estou tão inclinado a me atirar



***



parece um filme da sessão da tarde

e arde como a fornalha de todos os infernos

ou antes uma canção de mineiros

melosa como um suco de morangos



melhor

umbuzada porém densa

acordar do teu lado é que é o ouro



tua cama tem cheiro de alvura



a manhã me será linda

inda que chova ácido meu deus



parece a curva do tempo numa casa sem porta ou janelas

e eu e eu e eu e eu e eu e eu

e ela



***



o flerte com a decadência

o tempo não me dá ciência

o tempo fez de mim ciborgue

me largue tropa de serpente



repente rap cordel mote

mata-me ó vida mas com rapidez

que eu te quero ó morte vinda de uma vez

que eu não quero o tempo a me marcar a tez



enclausurado na rudez do mundo



todo o cabelo

já não nazireu



deitei de sê-lo

quand'ele se me perdeu



as claras luzes dos filósofos antigos

possuem apenas o poder de me cegar



***



estava escrito nas estrelas

na pele de cada animal

e em cada círculo concêntrico

autêntico

da tua digital



está escrito nas estrelas

na íris de cada qual

na minha pele africana

baiana

timbale de carlinhos brown



está escrito nas estrelas

nas folhas dos pés de paus

na pele dos jenipapos

currupaco

asas de arara surreal



está escrito nas estrelas

no bronze do anel real

na casca dos mil coqueiros

altaneiros

do baiano litoral



está escrito nas estrelas

nalgum escudo medieval

de um cavaleiro andante

galante

dom quixote coisa e tal



estava escrito nas estrelas

na mão de deus e afinal

na cútis da tua vulva

na pele dos teus mamilos

teremos um amor tranqüilo

e nossos filhos

brincando em nosso quintal



***



orgia

de neurônios no alfa/beta



ainda que eu falasse a língua dos anjos

e dos homens

e ainda que eu falasse a língua dos demônios

que povoa

miríades em

minhas noites

froidiunguianas



meta/lingüística

poetautista

euroafroameríndio

mérde

ainda que o verbo se fizesse em minha carne

como dar-te a exata forma

ou dizer-te a exata frase

que te conteria



maria



na ilusão de estar/ser vivo

a imagem do meu ser/estar

amplia tua/minha mesma imagem

ao infinito

num out-door esquizofrênico

hemisférico

mas só enxergo meu umbigo brasileiro



e basta-me a poesia que sobe

como fumo

do incensário

posto entre o teu/meu olhar

totais



sei de tudo que não quero



tenho incríveis lapsos

de lucidez



sou formidável



habito esta cápsula/casulo



sou todas as fases da lua

sou sua face escondida

sou uma frase mordente

em um noturno de bach



e eu sou lindo e incapaz



e eu sou forte e inútil



sou sábio e infeliz



se longe do teu nariz

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