porque me treme assim a perna quando penso no futuro
e as luzes que enxergo mais me cegam que me guiam?
se no olho do ciclone está o cu da calmaria
onde estão os mecanismos que aciono e me aliviam?
porque me dói tanto o peito quando o ócio me domina
e enxergo com clareza o que se embota na labuta?
a dor cava meu coração com a lâmina da enxada fria
mas a angústia aguça a audição e coloca-me à escuta
das lágrimas que oculto suas formas estalactíticas
no âmago da divisão entre a alma e o espírito
forçando-as a revelarem-se no epicentro do mistério
derrubando torres pontos parapeitos totens mitos
e eu aqui nessa agonia às quatro e quarenta e quatro
relacionando os porquês nesta lista heterogênea
vejo aportar madrugada na contemplação do não visto
não tendo tocado um dedo na que dorme ao lado fêmea
***
tua cabeleira de aço
tua beleza de pedra
me atinge nas manhãs como o arpão de um pesqueiro
peixe passarinho flor
tua palavra berilo
meu olhar pedra-sabão
resiste heróico ao cinzel
que trazes ambidestra mão
tuas receitas de vida
assentamentos monetários
ócio sesta pergaminhos
tuas partituras diárias
que corôo de acidentes
mel farinha rapadura
***
ando disperso como uma andorinha
ando sem verso e sem paz
ando um rapaz incapaz
ando não não ando mais
estou parado e em silêncio
come-me um tempo voraz
quem me criou te criou
para ser meu capataz
estou andando para trás
desengolido do tempo
desando massa de bolo
imerso em meus vendavais
acelerou-se o processo
vejo o nascer de meus pais
quem te criou este ícone
foi quem me fez incapaz
agora estou pintando o tempo
com a cor que o faz não ser visto
teus traços num croqui ao lado
e ao lado meus traços ou isto
***
tudo a mesma grande mágoa
tudo a mesma grande nesga
que fez a boca de sino
na barra da minha calça
que faz a vida ser coisa
sem rumo que faz o riso
ser a grande nódoa auréola
de nicotina nos dentes
da boca enorme do tempo
tudo a mesma mancha de esperma
sobre o teu lençol adolescente
tudo o mesmo mênstruo absoluto
tudo abstração
obstrução
a besta fera cavalgada
pela dama de escarlate
tendo à mão direita o cálice
da ira de Jeová
tudo a Bahia e seus homens
tudo sua mancha seu sêmen
tudo sua pecha e estigma
tudo seu tudo e seu nada
rosas no chão da esplanada
risos no vão da escada
rezas vãs pro mau olhado
que me acompanha mainha
e a espinhela caída
da humanidade inteirinha
não aguardem a chegada
do que não virá ainda
que abatamos as estrelas
com o laser do nosso ódio
os nêutrons do nosso amor
***
todos os dias estranhamente me levanto
repito os movimentos como autômato
e visto a mesma roupa e um mesmo copo
recebe o fumegante líquido escuro
em que os últimos trinta ânus se embebedaram
como se houvesse algo de importante
uma missão uma alegria um só instante
em que não precisasse consolar-me
e encorajar-me para continuar vivendo
e inventando inventos para reverter a falta
de sentido para a máquina do existir insano
em busca da ilusão da esperança
em busca da ilusória felicidade
um raio xis da alma te revelaria
ó minha insana amiga injetada em mim
como uma droga inacessível
toda a descrença
a exatidão da fé pela descrença
a imensidão da certeza na dúvida
***
o meu futuro é um cadáver espichado no convés
de um barco abandonado ao capricho das marés
passam ilhas e arquipélagos e eu desnatural de mim
não me encaixo na moldura de madeira ou de marfim
desce a chuva sobe o sol mar e céu tudo é antigo
mas o abismo de ser eu não se ausenta de migo
e a todo momento a culpa de ser ateu ou cristão
sempre na linha de frente da dura competição
e a embarcação segue a esmo sem fantasma a assombrá-la
não acha praia nem porto por isso mesmo não encalha
que as tuas areias não possuem a ideal densidade
ou desviei-me da rota ou então perplexidade
***
... não é nada disto de mar e céu e sol e embarcação
o meu futuro é uma velhinha que faz crochê na prisão
como ninguém a visita e como tem pouca linha
assim que acaba o trabalho ela o desfaz e principia...
***
ponho o cadarço no meu tênis branco
alvejado pelas mãos desta maria
antiga como os croquis de adão e eva
fileira interminável de marias
são diversas suas cores seus aromas
são difusos seus conceitos seus fonemas
são dispersos seus abraços e personas
são disfarces seus apartes e firulas
andas contentes como gazelas cretinas
sempre sedentas comem meu sêmen com tara
vivem presentes vivem ausentes mas sempre
pudicamente mesmo as piranhas e as putas
minhas idades minhas vaidades sacanas
minhas desumanas obscenidades bacoanas
***
TEMPO
estou olhando o tempo de perto
menino esperto filho de Esparta
estou olhando o tempo nos longes
estou olhando o tempo atento
malemolento mole mulato
estou olhando o tempo um instante
estou olhando o tempo e seus truques
trouxe minha trupe uns estrupícios
estou olhando o tempo e seus trotes
estou movendo o tempo ao contrário
ora sou vários ora nenhum
estou movendo tempo ao inverso
estou nivelando o tempo aos meus trinta
mais de trinta trinta e tantos
estou aprumando o tempo aos trancos
estou tratando o tempo e seus traumas
minha paz o acalma paz aparente
estou enredando o tempo em suas tramas
estou aparando as tranças do tempo
está mais lento parou
estou congelando o tempo um momento
estou retrocedendo com o tempo
tenho vinte tenho menos
estou adolescendo uns instantes
estou acelerando o movimento
agora sou bebê mero espermatozóide
perdi o domínio e senso
agora é pré-história neolítico
olha o mundo há pouco resfriou
agora Deus nasceu por entre as trevas
agora eu sei quem foi que o criou
***
quero pra você o som dos raimundos
saia curta e tamanho faceiro
pilar carne de veado pra fazer tua paçoca
lavar tua roupa de baixo com sabão da minha vó
quero tua castidade invencível minha doce cunhatã
quero mandar pelo rádio uma mensagem chinfrim
quero teus pêlos tosados pela tesoura de edward
suores na noite candanga no andar superior
ou na escada
ou na rede
ou no manto carcomido de Nabucodonosor
enquanto lairton extrai mel de abelha do teclado
no subsolo do palácio da alvorada ao amanhecer
ou sob a guarda de um dragão impassível quero ter
os teus dogmas espremidos numa descarga de hormônios
e chega de nhém-nhém-nhém que de noite eu vou te amar
sem ligar pro celular
e sem dar bola pros neurônios
***
ofício mais besta este
mais que inútil
este ofício
ofício mais difícil este
orifício mais profundo
artífice do absurdo
ser-te
sentir-te o eu o ego o id o fundo
ofício mais inerte
quanto mais hábil
moribundo
ofício triste
de um benefício agudo
e mudo como um beduíno atravessando o Tibete
com seu camelo manco
imundo
importa não se vai chover
importa não se o sol arder
importa a capacidade
importa a incapacidade
do meu ofício exercer
ofício mais impulsivo
ofício mais implosivo
esse de fiar tecer
aranha do palavrório
formiga de verbosia
cigarra de cantar você
ofício mais desafio
em cujo tênue fio me fio
e afio
a lâmina de espadachim do ócio
do cio
cissio
sibilo
assobio
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