A construção do albergue, assim, de repente, colocou a
comunidade de São Sebastião - DF, frente a uma razoável celeuma,
quantitativamente destacada pela difusão nas mídias sociais, mas de pouco
impacto agregador, já que, apesar do clamor “midiático internético”
compareceram à manifestação pouco mais de cem pessoas. Quando digo “razoável”, o
faço em respeito ao direito de expressão outorgado a todo e qualquer cidadão.
Fazendo uso do “meu” direito de expressão, vou tentar
levantar a seguinte questão: O que vem
ser um albergue? Nos moldes europeus, um albergue é uma casa de fora da
cidade pra onde pessoas se retiram para descanso, comem, bebem e dormem pagando
preços módicos.
Já no Brasil, o perfil institucional do albergue é de um
abrigo para mendigos, desabrigados, moradores de rua, drogados, sem teto, e ou,
os demais sinônimos ou termos pejorativos que caibam pra se referir à escória
ou rebotalho da sociedade. Rebotalhos esses que são produzidos por nós, os
membros da dita sociedade.
A meu ver, essas pessoas ou rebotalhos são o reflexo do
nosso fracasso como seres humanos desenvolvidos, como homo sapiens, como gente.
Mas fazem aflorar toda nossa hipocrisia e falta de senso critico quando nos
deixamos manipular em nome dos interesses de políticos, de espertalhões e
oportunistas. É ai que o maior país católico e, talvez, de evangélicos do
mundo, contraria incisivamente a mensagem cristã.
O exemplo enfatizado na parábola do bom samaritano, reflexo
da vida prática do próprio Cristo, compartilhada com os párias do mundo
judaico, foi totalmente esquecido pelos seus discípulos modernos.
O modo como estes seguidores do Cristo vêem e tratam hoje os
sem-tetos, leprosos, aleijados, mancos, esfomeados, prostitutas e os demais
“rebotalhos” a quem ele acolheu e acalentou com palavras de esperança, dá-nos a
impressão de que,
se o Cristo voltasse hoje, na forma daquele menino que nasceu
na manjedoura de Belém, mais uma vez talvez não encontrasse um albergue pra se
abrigar. Talvez nascesse ao relento e só sobreviveria por ter uma missão
predestinada. Aos trinta e três anos seria de novo crucificado.
Sabem por quê? Porque nós aprendemos pouco com os próprios
erros e alimentamos - ainda que inconscientemente - o processo seletivo da
Grécia antiga, onde os deficientes eram sacrificados logo ao nascer. Podemos
lembrar ainda a pratica genocida de Hitler, que começou com o extermínio por
asfixia dos cidadãos alemães deficientes por monóxido de carbono, em caminhões
baús fechados. Inconscientemente parece
ser esse o projeto que temos para os nossos rebotalhos ou nossa parte podre.
A existência dos albergues à moda brasileira atende os
interesses de governantes descompromissados com o processo de justiça social,
pois para eles dá mais lucro político e financeiro remediar que prevenir. Mas
não devemos esquecer que o que gera clientes pros albergues são a corrupção e
os políticos corruptos. E nós, enquanto família e membros da sociedade somos
também fornecedores da matéria prima principal para essa instituição, quando
nos furtamos do dever de cuidar das nossas crianças e assim formar cidadãos
conscientes dos seus direitos e deveres.
Confesso que não estou radiante com a construção do
albergue. Eu preferiria, por exemplo, que essa verba fosse aplicada na Casa de
Parto de São Sebastião. Na contratação com salário digno de profissionais de
saúde. No investimento nas escolas, onde o cidadão receberia informação que
moldasse o seu caráter, entre outras coisas.
Não! Eu não estou feliz com a construção do albergue. Mas
como cristão, ainda que não seja um fanático, eu me preocupo com o ser humano -
o bicho gente - por isso o que mais me incomoda não é a construção do albergue,
mas sim uma pergunta que insiste em não calar: ATÉ QUANDO VAMOS CONTINUAR
PRODUZINDO MATÉRIA PRIMA PARA OCUPAR ALBERGUES?
Edvair escreve no: umgrio.blogspot.com.br
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