Vou morrer!
Para Manoel
Vou morrer. Aos poucos, a ideia
da morte vai se acomodando. Aos poucos, saber-me efêmero vai se transformando
numa constatação indolor. Aos poucos, por uma certa aproximação – cumplicidade,
ou co-gestão – com o processo criativo universal (ok, chamai-o de Deus), meio
que vou me convencendo de que também eu estou submetido à grande regra:
fenecer.
Vou morrer. Olho para trás e
vejo que as múltiplas, diversas e complexas perguntas feitas a mim mesmo e ao
mundo ao meu redor começam a ser respondidas, não pela leitura dos filósofos,
não pelo estudo da cultura oriental e de sua religião, não pela meditação, mas
por mim mesmo, inconscientemente. Aos poucos, ao invés de obter respostas,
subtraio perguntas. Aos poucos, toda a inquietação se transforma numa
confluência, coesão com o todo. Aos poucos, a Verdade, que busquei, me busca.
Aos poucos, a resposta, tantas vezes escorregadia, enrosca-se em meu pescoço,
cachecol em linha de tricô.
Vou morrer. E me irmano com
meus ídolos. Dentro em breve – para a história, o que são 100 anos? – Dentro em
breve estarei com Ele. Mas Ele já está comigo. Dentro em breve, deixo de ser
protagonista, exclusivista, egoísta, narcisista, para ser tudo, todos, total.
Dentro em breve, esta sensação de agora – nirvana, é a sensação - vai
consumir-me todo, vai envolver-me todo, e todo me fará viver.
Vou morrer. E só agora, quando
deixo de lado toda a seriedade, é que vejo o quanto essa brincadeira é séria.
Só agora, pleno, posso revoltar-me, encolerizar-me, reivindicar, gritar,
humanizando-me, emocionando-me, permitindo-me, ignorando-me. Só agora, “onde
vês eu não vislumbro razão”.
Vou morrer. E já formulo – data
vênia, Senhor Deus – uma revisão no modelo operacional em uso no universo.
Algumas leis universais merecem ajustes, adendos, emendas. Talvez burocratize
um pouco, mas alguns ritos podem ser sistematizados, sem prejuízo algum à ideia
central da Criação.
Vou morrer. E só agora, quando
completo 36 anos, vejo que faço 35. Em janeiro de 2008, hei de completar 34.
Nesse ritmo, em 2042 volto a sonhar.
Vou morrer. Vou me deitar no
colchão macio da Verdade e dormir profundamente. E vou sonhar com a nova Vida
que me espera, e me preparar para minha segunda morte, para acordar para uma
nova vida, e me preparar para minha terceira morte, para acordar para uma nova
vida, e me preparar para minha quarta morte, para acordar para uma nova vida, e
me preparar para...
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