banner supernova

 

 

UM TOSTÃO DE FILOSOFIA - com Luiz Cláudio Sena, Filósofo da Supernova



O método progressivo-regressivo

Disse que aceitávamos sem reservas as teses expostas por Engels na sua carta a Marx: "Os homens fazem, eles próprios, sua história, mas num meio dado que os condiciona". Todavia, esse texto não é dos mais claros e permanece suscetível de numerosas interpretações. Como se deve entender, com efeito, que o homem faz a História, se, por outro lado, é a História que o faz? O marxismo idealista parece ter escolhido a interpretação mais fácil: inteiramente determinado pelas circunstâncias anteriores, isto é, em última análise, pelas condições econômicas, o homem é um produto passivo, uma soma de reflexos condicionados. Mas este objeto inerte, ao inserir-se no mundo social, em meio a outras inércias igualmente condicionadas, contribui, pela natureza que recebeu, para precipitar ou para frear o "curso do mundo": ele muda a sociedade, como uma bomba que, sem deixar de obedecer ao princípio de inércia, pode destruir um edifício. Neste caso, a diferença entre o agente humano e a máquina seria nula. Marx escreve, com efeito: "A invenção de um novo instrumento de guerra, a arma de fogo, devia necessariamente modificar toda a organização interior do exército, as relações no interior das quais os indivíduos formam um exército e fazem deste um todo organizado, enfim, igualmente, as relações entre exércitos diferentes". Para dizer tudo, a superioridade parece estar aqui do lado da arma ou do instrumento: sua simples aparição perturba tudo. Esta concepção pode ser resumida por estas declarações do Correio Europeu (de São Petersburgo): "Marx considera a evolução social um processo natural regido por leis que não dependem da vontade, da consciência nem da intenção dos homens, mas que, ao contrário, as determinam". Marx cita-as no segundo prefácio a O Capital.
Assume-as ele como verdadeiras? É difícil dizê-lo: ele felicita o crítico por ter descrito brilhantemente seu método e observa-lhe que se trata de fato do método dialético. Mas não se estende sobre o pormenor das observações e termina notando que o burguês prático toma claramente consciência das contradições da sociedade capitalista, o que parece a contrapartida de sua afirmação de 1860: "(O movimento operário representa) a participação consciente no processo histórico que subverte a sociedade". Ora, notar-se-á que as observações do Correio Europeu não só contradizem a passagem acima citada de Herr Vogt, mas também este texto bastante conhecido: a terceira tese de Feuerbach: "A doutrina materialista segundo a qual os homens são um produto das circunstâncias e da educação. . . não leva em consideração o fato de que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o educador deve ser, ele próprio, educado". Ou é uma simples tautologia e devemos simplesmente compreender que o próprio educador é um produto das circunstâncias e da educação, o que tornaria a frase inútil e absurda; ou então, é a afirmação decisiva da irredutibilidade da práxis humana; o educador deve ser educado: isto significa que a educação deve ser uma empresa.
Se se quiser dar toda a sua complexidade ao pensamento marxista seria preciso dizer que o homem, em período de exploração, é ao mesmo tempo o produto de seu próprio produto e um agente histórico que não pode, em caso algum, passar por um produto. Tal contradição não é cristalizada, é preciso apreendê-la no movimento mesmo da pra xis; então, ela esclarecerá a frase de Engels: os homens fazem a sua história sobre a base de condições reais anteriores (entre as quais devem-se contar os caracteres adquiridos, as deformações impostas pelo modo de trabalho e de vida, a alienação, etc.), mas são eles que a fazem e não as condições anteriores: caso contrário, eles seriam os simples veículos de forças inumanas que regeriam, através deles, o mundo social. Certamente, estas condições existem e são elas, apenas elas, que podem fornecer uma direção e uma realidade material às mudanças que se preparam; mas o movimento da práxis humana supera-as conservando-as. E certamente os homens não medem o alcance real do que fazem — ou, pelo menos, este alcance deve escapar-lhes enquanto o proletariado, sujeito da História, não tiver, num mesmo movimento, realizado sua unidade e tomado consciência de seu papel histórico. Mas, se a História me escapa, isto não decorre do fato de que não a faço: decorre do fato de que o outro também a faz.  Engels — de quem temos a este respeito muitas declarações pouco compatíveis entre si — na Guerra dos Camponeses, em todo caso, mostrou o sentido que dava a esta contradição: após ter insistido sobre a coragem, a paixão dos camponeses alemães, sobre a justeza de suas reivindicações, sobre a inteligência e a habilidade da elite revolucionária, conclui: "Na Guerra dos Camponeses só os príncipes podiam ganhar alguma coisa: portanto, foi este seu resultado. Eles ganharam não somente de maneira relativa, porque seus concorrentes, clero, nobreza, cidade, se acharam enfraquecidos, mas também de maneira absoluta, porque eles carregaram os despojos opimos das outras ordens". O que, pois, roubou a práxis dos revoltados? Simplesmente a sua separação que tinha como origem uma condição histórica determinada: a fragmentação da Alemanha.  A existência de numerosos movimentos provincianos que não chegavam a unificar-se — e em que cada um, outro em relação aos outros, agia de maneira diversa — basta para esvaziar cada grupo do sentido real de sua empresa. Isto não quer dizer que a empresa como ação real do homem sobre a história não existe, mas somente que o resultado atingido — mesmo em conformidade com o objetivo que se pro punha é radicalmente diferente daquilo que parece na escala local, quando o recolocamos no movimento totalizador. Finalmente, a fragmentação do país fez malograr a guerra, e a guerra não teve como resultado senão agravar e consolidar esta fragmentação. Assim, o homem faz a História: isto quer dizer que ele se objetiva nela e nela se aliena; neste sentido a História, que é a obra própria de toda a atividade de todos os homens, aparece-lhes como uma força estranha na medida exata em que eles não reconhecem o sentido de sua empresa (mesmo localmente eficaz) no resultado total e objetivo: fazendo a paz separadamente, os camponeses de certa província ganharam no que se refere a eles;
Marx precisou seu pensamento: para agir sobre o educador é preciso agir sobre os fatores que os condicionam. Assim, acham-se ligados de maneira inseparável, no pensamento marxiano, os caracteres da determinação externa e os desta unidade sintética e progressiva que é a práxis humana.
Talvez seja necessário considerar esta vontade de transcender as oposições da exterioridade e da interioridade, da multiplicidade e da unidade, da análise e da síntese, da natureza e da antiphysis, como a contribuição teórica mais profunda do marxismo. Mas são indicações a serem desenvolvidas: o erro consistiria em acreditar que a tarefa é fácil. (N.
(Do A.) mas enfraqueceram sua classe e sua derrota se voltará contra eles quando os proprietários fundiários, seguros de sua força, negarem seus compromissos. O marxismo, no século XIX, é uma tentativa gigantesca não somente de fazer a História mas de apoderar-se dela, prática e teoricamente, unificando o movimento operário e iluminando a ação do proletariado pelo conhecimento do processo capitalista e da realidade objetiva dos trabalhadores. No termo deste esforço, pela unificação dos explorados e pela redução progressiva do número das classes em luta, a História deve ter, enfim, um sentido para o homem. Tomando consciência de si mesmo, o proletariado torna-se sujeito da História, isto é,deve reconhecer-se nela. Mesmo no combate cotidiano, a classe operária deve obter resultados de conformidade com o objetivo visado e cujas conseqüências, pelo menos,
não se voltarão contra ela.

Luiz Cláudio Sena, do Movimento SuperNova, é filósofo formado pela Faculdade São Bento e escreve no: http://cemfinslucrativos.blogspot.com.br/

Postar um comentário

0 Comentários